Um norte...

Tinha uma tia-avó que devido ao avançado da idade e à doença, que felizmente só se apoderou dela nos últimos anos da sua vida, deixou de ficar permanentemente ligada "à terra" e muitas vezes não dizia coisa com coisa. Mas no meio de muita coisa sem sentido surgiam algumas conversas lúcidas. Foi no meio de uma série de conversas, umas com mais sentido e outras com menos sentido, que de repente perguntou: "Porque é que a gente vive?". Ninguém ligou importância, mas numa pessoa com a idade dela, a mim soou-me meio a balanço e meio a conclusão. Um balanço que fez em voz alta, na doença, mas que nunca faria se não estivesse assim, mulher forte e orgulhosa que era.
Hoje dei comigo a pensar nas palavras da minha tia e no seu significado. Ela não casou, não se juntou, penso que até não namorou. Não formou uma família, não teve filhos, não deixou nada para além da sua morte a não ser dois sobrinhos e os seus descendentes (nos quais me incluo). Deixou também a imagem da mulher lutadora que foi, mas também a memória da mulher fria e dura que eu acho que sempre pretendeu ser. Acho que lhe faltou a familia para não ter que fazer aquela pergunta, constituir uma família para além da sua nuclear. Ou então ter outro norte, qualquer que fosse. Um norte, um objectivo, uma estrela, uma luz...